Cocatrel

O mercado a termo como ferramenta de gerenciamento de risco

Os últimos vinte anos do agronegócio café foram marcados por muita mudança e isso aconteceu em todos os aspectos. Espaçamento da lavoura, mecanização na colheita, profissionalismo da gestão e fortalecimento do mercado de cafés especiais e certificados são alguns exemplos marcantes que estão provocando uma mudança de mentalidade do cafeicultor. Nesse aspecto, uma evolução importante ocorreu no processo de comercialização. Percebe-se o cafeicultor utilizando cada vez mais os mecanismos de hedge como ferramenta de gerenciamento de risco de preço, o que é particularmente importante na cafeicultura, visto que o café é talvez, a mercadoria mais volátil do mundo.

As modalidades de hedge são várias e há vantagens e limitações quando o assunto é a escolha de se fazer vendas no mercado de futuros, opções, barter ou mesmo vendas a termo. Em comum, todas partem do princípio “contrate agora, acerte depois”. O mercado de futuros é o pai de todos os sistemas de proteção de preços e seus mecanismos de controle garantem o cumprimento dos contratos. De fato, o uso de margens de garantia e de ajustes diários protege compradores e vendedores; e praticamente inexiste “calote” nas bolsas de mercadorias do mundo todo. Entretanto, há problemas no uso dessa ferramenta e o produtor, além de ser avesso ao sistema dos ajustes diários, fica exposto à questão cambial, já que no Brasil, os contratos da B3 acontecem em dólares por saca de sessenta quilos.

As dificuldades apontadas por produtores quanto ao uso do mercado futuro levaram à criação de outros mecanismos de proteção contra a oscilação nos preços. Duas ferramentas merecem destaque: o barter e o termo. O barter refere-se à troca de insumos por café. As negociações a termo, por sua vez, garantem preços para o futuro em reais e com especificações definidas em contrato. Ambas evoluíram muito, tornando-se parte da vida financeira dos produtores.

Assim, é normal que os produtores analisem o mercado e, diante de preços remuneradores, façam negócios, seja utilizando o maior poder de barganha de sacas de café para comprar insumos, no caso de barter; seja fazendo parte da venda de suas safras futuras, por preços acima do preço do mercado à vista, visto que no mercado de café prevalece o tipo de mercado cash and carry, situação em que os preços futuros são maiores que os preços do presente.

Nas negociações a termo, compradores e vendedores se comprometem, no presente, a realizar determinada operação no futuro. Assim, produtores de café, por exemplo, garantem a venda de determinada quantidade de café, com qualidade pré-estabelecida, por um preço futuro e só recebem esse dinheiro no final do contrato: no futuro. Tal operação permite uma proteção (hedge) contra oscilação de preço, visto que para esse café negociado, o preço já estará garantido. No caso a operação deseja se prevenir contra possíveis baixas nos preços.

Seguindo a mesma lógica, o comprador, que se compromete a comprar o café do produtor, não precisa desembolsar dinheiro no presente, e garante um preço de compra para determinada quantidade de café em um período futuro. Geralmente esses compradores são exportadores, importadores e torradores. Também querem proteção, no caso, com relação às possíveis altas nos preços.

Em ambos os casos, o objetivo é fazer o hedge, que é a proteção contra a oscilação no preço. O produtor deseja garantir um preço para a venda, para parte de sua safra; o comprador deseja garantir um preço de compra, para parte de seus compromissos. Desse modo, o mercado a termo acaba sendo uma importante ferramenta que ajuda os produtores a gerenciarem o risco e, também, a parte financeira da atividade.

O mercado a termo é promissor e apresenta tendência de crescimento, muito em função de ser negociado em moeda nacional (reais), diferentemente do mercado de futuros, que negocia em dólares.

Outras diferenças importantes em relação ao mercado de futuros são: 1) no mercado a termo, o contrato não é padronizado, e pode ser definido entre as partes. Isso em termos de quantidade e qualidade; e 2) não há ajuste diário, nem margem de garantia e as garantias exigidas são definidas entre os envolvidos. Isso faz com que, diferente do mercado de futuros, exista o risco de não cumprimento entre as partes. No mercado de futuros esse risco não existe em função dos ajustes diários e da margem de garantia.

Exatamente por isso, recomenda-se cautela ao produtor nas negociações a termo, já que existem riscos quanto a problemas de qualidade e, também de cumprimento de contratos, por questões climáticas, por exemplo. Isso explica a tendência dos produtores fazerem esse tipo de operação por meio de suas cooperativas, que possuem maior poder de negociação, em casos de problemas.

Importante ressaltar que, embora os casos de não cumprimento dos contratos seja pouco representativo, há os casos de washout e default. O washout prevê ao produtor a possibilidade de recomprar seus contratos, pagando uma diferença ao comprador. O default é o distrato, que ocorre mediante o pagamento de multa ao comprador. Ambas as possibilidades são raras, mas previstas em função de algum problema que impeça ao produtor de entregar o café ao comprador. Aqui vale deixar claro duas questões importantes: 1) as possibilidades de washout e de default são previstas no contrato, o que dá ao produtor o direito de exercê-las; 2) a beleza do “negócio” está no cumprimento dos contratos. Assim, a “roda gira”; compradores recebem o café e produtores recebem o dinheiro. Quanto mais isso acontece, mais credibilidade ganha a ferramenta do mercado a termo, importantíssima para auxiliar os produtores a gerenciar riscos de preço e a parte financeira do negócio. Exatamente por isso, recomenda-se que o produtor faça parte da safra, diminuindo-se assim os riscos de se utilizar os mecanismos descritos anteriormente.

Finalmente, vale ressaltar que, como no café prevalece o tipo de mercado “cash and carry”, situação em que os preços futuros são maiores que os preços presentes; e, também considerando a característica do paralelismo entre os preços, que faz os preços futuros e presentes andarem na mesma direção, cria-se uma situação de oportunidade para o produtor, que pode aproveitar as altas do mercado para garantir preços ainda melhores no futuro. Essa situação particular do café faz com que o produtor “receba juros”, aproveitando-se da curva de futuro, já que vende a termo mais caro do que no presente, totalmente diferente do que ocorre nos financiamentos clássicos, em que o produtor paga juros.

Desse modo, conhecendo-se os custos presentes e fazendo-se projeções sobre o custo futuro, pode-se garantir lucros de parte da safra futura, o que diminui os riscos da atividade, já que o preço do café é volátil e de difícil previsibilidade. Em síntese, o mercado a termo é uma excelente ferramenta de gestão, visto que diminui os riscos do produtor ao garantir um “hedge” para o futuro. Por isso, as altas de preço devem ser monitoradas não só pensando em vendas presentes, mas também visando vendas futuras, situação em que pode-se garantir boas margens de lucro para parte da safra. Em uma situação ideal de mercado, o produtor vende no futuro parte da safra pensando em se proteger de quedas no preço e torce para que o mercado trabalhe em alta, o que proporcionaria vendas escalonadas, aumentando o preço médio da safra. Sem fazer uso desse tipo de mecanismo, o produtor fica “a descoberto” e corre integralmente os riscos de queda de preços.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *